Se eu voltasse a ser criança · Valdir Teles · Sebastião da Silva



Valdir Teles & Sebastião da Silva

Se eu voltasse a ser criança como fui antigamente
Mudando os primeiros passos, nascendo o primeiro dente
A minha felicidade me alcançava novamente

Se outra vez fosse inocente, qual pinto que sai do ovo?
Diria na mesma terra viver com o mesmo povo
Brincar, correr e cantar e ser repentista de novo.

Se eu pudesse ser de novo o criancinha onde eu morava
Comendo papa de goma daquela que mãe me dava
E eu sei que a minha tristeza num minuto se acabava.

Sendo criança eu voltava pra viver no mesmo leito
Deitar no colo de mãe e sugar o leite do peito
Montar cavalo de vara e correr do mesmo jeito.

Voltaria satisfeito pra minha casa singela
dormir em rede de saco e urinar no fundo dela
Que hoje eu não durmo mais, mas eu só dormia nela

Se eu fosse criança bela como o meu caçula é
Pegava bola de meia e botava outra vez no pé
Para dizer eu sou Zico e jogo igual a Pelé

Eu queria andar a Pé arrodeando os currais
Andar da casa pra roça, meu pai na frente, eu atrás
E só que depois dos cinquenta a vida muda demais

Cinquenta anos atrás e voltar de novo eu queria
Para sair de calção logo cedinho do dia
Com varinha e anzol para fazer pescaria

Se eu voltasse eu queria a minha mesma vizinhança
Jogar de bola de meia, correr por cima de ervança
E fazer as travessuras que eu fiz quando era criança

Se eu voltasse a ser criança era criança levada
Com o cabelo assanhado e de camisa remendada
Sem descontrolar a pressão e sem sentir medo de nada

Levantar de madrugada ver a lua no oitão
Vestir calção sem cueca e caminhar de pé no chão
Que todo menino pobre já fez isso no sertão

Se eu tivesse condição de de novo ser criança
Eu ia botar pimenta em toda sala de dança
Depois roubar melancia na roça da vizinhança

Se eu voltasse a ser criança cumpria a mesma doutrina
Pra andar naquele jegue que pai aparava a clima
Que nunca gastou um litro de litro de óleo e nem gasolina

Ah, se eu tivesse a sina de outra vez ser menino
Aprendei o peiabá num livrinho pequenino
Com o sonho de ainda ser repentista nordestino

Se eu voltasse a ser menino na mesma propriedade
Pra ter os meus mesmos sonhos com dez aninhos de idade
Só assim Deus devolvia a minha felicidade

Se a minha primeira idade nunca tem chegado ao fim
Ainda estava me escondendo entre as rosas Do 
jardim e me balançando na rede que mãe armava pra mim

Se eu voltasse a ser mirim me arrastando pelo chão
Hoje eu já conheço o mundo e mais de uma nação
Mas eu queria morar num casebre do sertão

Eu não tenho condição de ser criança outra vez
Mas se eu pudesse ser com menor timidez
Voltava a fazer de novo o que meu passado fez

Se eu pudesse outra vez ser criança em meu lugar
Tomava banho de rio ao invés de banho de mar
Ia pros braços da musa pra ela me balançar

A se eu pudesse voltar a infância divina e cheia
Para jogar meu pinhão e chutar a bola de meia
Dançar forrós com as meninas e brincar na casa alheia

Se eu voltasse àquela aldeia como criança com manhas
Ia pegar passarinhos no fechado das montanhas
E de quinze em quinze dias vinha visitar piranhas

O tempo tem muitas manhas, uma doutra diferente
Uma hora a gente é velho, outro é mais inocente
Que o tempo é muito ingrato que dá e toma da gente

Se eu voltasse novamente com a minha carinha lisa
Sem ter pelo no bigode nem número três na camisa
Mas é que Deus não devolve tudo que a gente precisa

O tempo não indeniza o pranto que eu derramar
Que o tempo é dessa forma, dá depois vem pra tomar
Toma pra gente sorrir, toma pra gente chorar

Nem vale a pena chorar depois do pranto perdido
Nem caça medicamento quando o cabra tem morrido
É como quem se arrepende e acha melhor não ter ido

Também não vale alarido E nem a dor de quem chora
Nem chora pelo que foi, que o que passou foi embora
O que passou já passou e vamos viver o agora

Vou é trocar o outrora pelo presente de luz
Não vou blasfemar da sorte
Nem zombar da mina cruz
Não é falando da vida que a gente engana Jesus

Eu vou a Deus pedir luz pra tocar, pra cantar bem
Que o passado foi embora, já passou, já tá além
Eu vou viver o agora, futuro eu não sei se tem

Já pedi a Deus também ver se o milagre acontece
Pedir a sombra de um Cristo pra ver se o anjo ainda desce
Mas Deus só faz o pedido que vê que a gente merece

Ivaldo Fernandes

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