no tempo que os bichos falavam

Leandro Gomes de Barros

Vi um Teju escrevendo,
Um Camaleão cantando,
Uma Raposa bordando,
Uma Ticaca tecendo
Um Burro com um livro lendo,
Um Sapo fazendo telha,
Vi mais uma Rã vermelha,
Trabalhando num teçume,
Vi um Tatu num cortume,
Curtindo couro de Abelha.

Vi um Lacrau enfermeiro
Urubu feito marchante,
Vi um Siri despachante
Vi um Pavão sapateiro
Um Timbu velho ferreiro
Vi uma Pulga tocando,
Uma  Preguiça dançando,
Um Guará fazendo covos
Dois Grilos batendo ovos,
E um Jaboti cozinhando.

Vi um Mosquito valente
Promotor e advogado,
Com um pelotão formado
De batalhão “Tiradente”
A Muriçoca na frente
Dizendo à Cabra: - Não pode!
Depois amarrou o Bode
Que estava no campo nu,
Mandou prender o Muçu
Por ter raspado o bigode.

Vi Lesma remar canoa,
Peru mestrando um navio,
Sulcando as águas de um rio
Saltando de pôpa à proa.
No saltar de uma camboa
Quando viu, ficou cismado,
No fundo de um valado
Um caranguejo ainda moço
Com a corda no pescoço
Tinha morrido enforcado.

Vi Mosca batendo sola
Vi Pium fazendo lata,
Vi Goiamum de gravata
E a Cabra jogando bola
Coelho tocando viola,
Catita soprando um “buzo”
Jiboia fazendo um fuso
Cotia num desempate
Vi um Besouro alfaiate
Cortando roupa de uso.

Vi um Cachorro copeiro
Vi Saúva agricultora
Vi Cascavel professora
Vi Gafanhoto caixeiro,
Vi Mucurana barbeiro,
Vi Urso vendendo trapo,
Lagarta deu um sopapo
Chamando tudo canalha
Vi Imbuá de navalha
Fazendo a barba d’um sapo.

Vi um Rato fogueteiro
De sócio mais um Jaguar,
Vi Papa-vento mandar
Na rua trocar dinheiro
Carrapato redoleiro
Contando muita bravura
Vi mais uma tanajura
Trabalhando no roçado
Percevejo namorado
Discutindo a formosura.

Vi da venta dum mucuim
Saírem dois bois urrando
Adiante estavam brigando
Por um talo de capim
Depois chegou um saguim
Fazendo careta pra gente
Caiu e quebrou um dente
Bem na biqueira da casa
O Zabelê bateu asa
Depois voou de contente

Vi o ronco do mambu
O zoar da jandaíra
O preá na macambira
Na serra grita o jacu
No riacho o cururu
O peixe folga no rio
O veado no sombrio
O punaré no penhasco
O peba no carrasco
E o bola no baixio.

Vi um cágado de muleta
Pedindo esmola na rua
Vi também uma perua
Tocando numa corneta
Vi Caxito com luneta
Apostando uma carreira
Vi gia fazendo feira
Vi um pitu cantador
Jaburu feito doutor
Uma onça cigarreira

Vi um calaneiro enxerido
Pedindo moça pra casar
Bacurau jogar bilhar
Vi um morcego despido
Vi um camarão sabido
Estudando português
Um touro de pinci nez
Uma barata donzela
Tinha quebrado a costela
Vi águia de cachi-nez

Vi uma aranha dentista
Mocó tocando guitarra
Carneiros fazendo farra
Um pinto capitalista
Ostra doente da vista
Vi também um periquito
Amamentando um cabrito
Avestruz fazendo renda
A lontra numa contenda
Copiando um manuscrito

Eu vi um gato rezando
Um jacaré empregado
Um cavalo embriagado
Boas bebidas tomando
Vi lagarto ressonando
Numa vagem de feijão
O ganso numa questão
Atirar de carabina
Seriema de botina
Piolho de cinturão

Vi um capão descansando
Vi um jumento formado
Vi um gabiru casado
E a sua esposa beijando
Vi uma cobra fumando
Uma coruja sorrindo
Eu vi um tetéu dormindo
Vi um socó jogador
Um gavião senador
No senado discutindo

Vi pichilinga chorando
Por estar no caritó
Vi zebra botando pó
Vi uma aranha engomando
Vi um tubarão pescando
Sentando numa jangada
Uma sardinha enrascada
Meteu a pique num navio
Vi a traíra com frio
Numa toalha embrulhada

Eu vim um papa cupim
Apitando num canudo
Um porco espinho pançudo
Afinando um bandolim
Vi também uma guaxinim
Brigando mais o quati
Mangançá chegou ali
Levou tudo pra cadeia
Vi um tucano na peia
Porque beijou bem-te-vi

Vi a ossada de um gogô
Dentro de uma feijoada
Vi papa vento enroscada
Botando feijão no fogo
Vi um tigre no jogo
Despenando uma galinha
Vi xexéu almofadinha
Com pó de arroz e carmim
Também vi um maruim
Feito um sargento de linha

Vi aruá feito ourives
Borboleta ama de leite
Vi leão vendendo azeite
Tucandeira detetive
Ao ver grande susto tive
Lagartixa melindrosa
Cortando um botão de rosa
Pra botar na cabeleira
Vi cigarra costureira
Toda contente e formosa

Vi papagaio juiz
Defendendo uma questão
Vi um cavalo do cão
Montando uma perdiz
Eu também vi um coacriz
Vendo fita de cinema
A pantera mais a ema
Estavam dançando valsa
Vi um caçote com calça
Subindo numa jurema

Vi elefante fardado
Comandando um batalhão
Um galo vendendo pão
Um porco muito suado
Um jaçanã deputado
Um cavalo na ressaca
Namorando uma semôa
Javali cantando lôa
Lebre batendo matraca

Vi beija-flor num salão
Estudando medicina
Uma formiga franzina
Se tratando no sertão
Era dia de eleição
punaré tinha votado
jundiá chegou vexado
soluçando constrangido
por ter um pato morrido
dentro do rio afogado

Ivaldo Fernandes

Deixe um comentário sua opinião é importante . Sua voz é valiosa!

Postagem Anterior Próxima Postagem