Labareda – O Capador de Covardes

revista de cordel Labareda – O Capador de Covardes


Gonçalo Ferreira da Silva

Como criação divina
A vida fosse entendida
Representaria a morte
Simples porta de saída
Para conduzir o homem
À plenitude da vida.

Os audazes bandoleiros
Do cangaço no sertão
Não davam valor à vida
Disprovidos de noção
Do que ela representa
Para o Pai da Criação.

Numa das reuniões
Que sempre fazia às tardes
Lampião chamou um cabra
E lhe falou sem alardes:
– Tu serás o Labareda
O capador de covardes.

Os componentes do grupo
Do famoso Lampião
Tinham seus nomes-de-guerra
E muitos tinham função
Embora não fosse regra
Também não era exceção.

Coube ao negro Zé Baiano
O cruel ferro abrasante,
Mariano, a palmatória
Para o sujeito arrogante,
A peixeira, a Labareda
Para capar delatante.

Porém a Virginio coube
A responsabilidade
De julgar caso por caso
E conforme a gravidade
O errado recebia
A dura penalidade.

Cunhado de Lampião
Virginio era igual um mano
Ditava suas sentenças,
Mas provou que era humano
Ao perdoar Bentivi
Quando traiu Zé Baiano.

Emílio Ferreira, um dos padres
Mais importantes
Aconselhou Labareda
A capar os semelhantes
Porém deixá-los com vida
Por mais que fossem arrogantes.

Realmente Labareda
Não tinha instinto malvado
Principalmente porque
Nunca capava zangado
Desempenhava o trabalho
Como quem cumpre um mandado.

Mas um dia caparia
Com ódio no coração
Por vingança que é por dever
Porque numa ocasião
Sofreu de um miserável
Uma dura traição.

Lampião ao sequestrar
O filho de um fazendeiro
Mandou Labareda para
Trazer de volta o dinheiro
Em troca da liberdade
Do jovem prisioneiro.

Labareda foi cumprir
A ordem do capitão
Porém teve, infelizmente,
Interrompida a missão
Quando já tinha o dinheiro
Escondido no gibão.

No momento em que o recado
Do chefe era transmitido
Um cabra do fazendeiro
Se encontrava escondido
Assim, sigilosamente,
Foi Labareda seguido.

Pois todos os pormenores
O cabra do fazendeiro
Ouvia, até a quantia
Que ganharia em dinheiro
Se pregasse uma surpresa
Eficaz no cangaceiro.

Quando Labareda tinha
O dinheiro empacotado
Juntamente com um recibo
Devidamente assinado
Saiu sem notar que era
Por alguém observado.

Para sair da fazenda
Na direção do sertão
Tinha uma vereda orlada
De densa vegetação
Ao longo da qual não tinha
Vestígio de habitação.

Com a rapidez felina
Do gato maracajá
O cabra do fazendeiro
Subiu num pé de Ingá
Envolto em muitas espessas
Ramas de maracujá.

Providência paulada
Quando Labareda ia
Passando sob o Ingá
Na fronte dela caía
Desmaiando até sem tempo
De ver o que acontecia.

No mundo escuro dos sonhos
Labareda mergulhou
Ele mesmo nunca soube
Qual o tempo que durou
Desde a hora em que caiu
Até quando despertou.

Recobrando a consciência
Verificou abismado
Que o pacote de notas
Havia sido roubado
Restava só o recibo
No seu bolso colocado.

Lampião ainda estava
Com o grupo reunido
Estranhando com razão
O tempo já transcorrido
Achando que Labareda
Tinha desaparecido.

Fitando o refém com ódio
Lampião foi taxativo:
– Se Labareda morrer
Ou mesmo ficar cativo
Toco fogo na fazenda
E depois lhe queimo vivo.

Lampião mandou dois cabras
Que fizeram o fazendeiro
Dizer o nome do homem,
O possível paradeiro
Para obrigá-lo, com força
A devolver o dinheiro.

Num belo dia em que o Sol
Para o poente caía
Num povoado distante
O dito homem bebia
Cana, sem saber que aquele
Era o seu mais negro dia.

O grupo do Lampião
Com um refém da fazenda
Invadiu o povoado
E ao penetrar na venda
Lampião, frio e sinistro
Disse: – Sujeito, se renda.

– Cadê aquele dinheiro
Roubado lá na vereda
Empacotado e atado
Com nós num pano de seda?
Já sabe o que quer dizer
Prestar conta a Labareda?

Com dignidade o homem
Disse: – Sei que estou marcado...
Pelo que ouvi falar
Já sei que vou ser capado
Mas não vou tremer diante
Dum bandoleiro safado.

Tais palavras foram ditas
Com tanta convicção,
Com tanto furor selvagem,
Com tão voraz decisão
Que houve um silêncio tenso
No grupo do Lampião.

Foi o capador do bando
Quem o silêncio rompeu:
– Vou resolver este assunto
Pois este homem é meu
E se alguém morrer em luta
Terá que ser ele ou eu.

Só se viu quando um machado
Sinistro riscou o ar
Sem que o opositor pudesse
Se desviar
O homem caiu roncando
No piso sujo do bar.

Uma peixeira afiada
Surgiu repentinamente
Nos dedos de Labareda
Que o capou prontamente
Mostrando os ovos do homem
Para a multidão presente.

Foi este mais um capítulo
De maldade e tirania
Da história do nordeste
Para ser contado um dia
Que acaso for abordado
Assunto de valentia.

Ivaldo Fernandes

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