Coco Verde e Melancia

revista de cordel Coco Verde e Melancia


José Camelo de Melo Resende

Coco-Verde e Melancia
é uma história que alguém
quer sabê-la mas não sabe
o começo de onde vem
nem sabe os anos que faz
pois passam trinta de cem
2
Coco-Verde era filho
de Constantino Amaral
morador no Rio Grande
mas fora da capital
pois sua casa distava
meia légua de Natal
3
Porém seu nome era Armando
como o povo o conhecia
mas a namorada dele
essa tal de Melancia
a ele por Coco-Verde
chamava e ninguém sabia
4
Então dessa Melancia
Rosa era o nome dela
porém Armando em criança
se apaixonando por ela
para poder namora-la
pôs esse apelido nela
5
Portanto, seu nome é Rosa
seu pai Tiago Agostinho
de origem portuguesa
do pai de Armando vizinho
seus sítios eram defronte
divididos num caminho
6
Quando Rosa fez seis anos
e Armando a mesma idade
os pais de ambos trouxeram
um professor da cidade
para instruir as crianças
daquela localidade
7
Fizeram logo uma casa
sobre um alto, nela então
Rosa e Armando começaram
a receber instrução
junto com outros meninos
uns vizinhos outros não
8
Nessa escola começou
Armando a namorar Rosa
pois ela além de ser rica
era bastante formosa
inteligente e cortez
muito séria e carinhosa
9
Rosa tinha por Armando
uma grande simpatia
de forma que quando o mestre
dava nele ela sentia
o mesmo fazia Armando
quando ela padecia
10
Ao completarem dez anos
tanto Rosa como Armando
em lousas um para a outro
viviam se carteando
mas disfarçando que estavam
nota de carta apostando
11
Depois Armando temendo
que o mestre os descobria
figindo que amava as frutas
e nas notas que fazia
tomou como namorada
a chamada Melancia
12
Rosa também pelas frutas
fingiu amor desmedido
e tomou o Coco-verde
já para seu pretendido
porém o “Coco” era Armando
ele estava prevenido
13
Rosa estava prevenida
que a melancia de Armando
era ela, então assim
brincavam se carteando
diziam aos outros que estavam
notas de cartas apostando
14
Então defronte a escola
tinha uma pedra isolada
ficando ao lado direito
do poente da estrada
e dela não se avistava
dos pais de Rosa a morada
15
Armando muito sincero
quando da escola voltava
bem ao pé da dita pedra
satisfeito ele a esperava
e dali para diante
ele a Rosa acompanhava
16
Rosa ao fazer doze anos
o mestre um dia calado
levou todos os meninos
pra um salão reservado
ficando então as meninas
no seu salão costumado
17
Armando quando se viu
no salão longe de Rosa
não deu lição nesse dia
por não vê sua mimosa
o mestre então castigou-o
com sua mão rigorosa
18
Voltou Armando de tarde
no pé da pedra esperou
por Rosa quinze minutos
mas ela ali não chegou
e Armando vendo a demora
pra casa triste marchou
19
Mas Rosa no outro dia
deixou seus pais almoçando
e caminhou para a pedra
onde esperou por Armando
e quando Armando chegou
encontrou ela chorando
20
Armando lhe perguntou:
Rosa, diz-me o motivo
que te fez em me deixar
tão tristonho e pensativo?
diz-me se o nosso amor
já morreu ou inda está vivo?
21
Rosa chorando lhe disse:
foi o nosso professor
que não deixou-me voltar
por causa do nosso amor
dizendo que foi meu pai
que a ele fez sabedor
22
Disse-me mais que meu pai
lhe disse que não convinha
leu andar junto contigo
pois estou quase mocinha
portanto, só me deixasse
vir da escola sozinha
23
Armando lhe respondeu:
pois a coisa está ruim
como eu não posso ver
da nossa amizade o fim
vou ausentar-me desta terra
pra descansares de mim
24
– Amanhã em vou embora
para nunca mais voltar
pois minha presença aqui
talvez te faça penar
e mesmo não me convém
ver-te sem poder-te amar
25
Disse Rosa: tu assim
trazes pra mim um perigo
porque se fores embora
eu hei de acabar comigo
pois a vida só me serve
se eu me casar contigo
26
– Hoje não vejo quem tenha
força capaz de fazer
meu coração desprezar-te
antes prefiro morrer
pois pra tudo existe jeito
e o jeito eu vou dizer
27
– Esta pedra de hoje em diante
será pois a nossa agência
poderemos deixar nela
munidos de paciência
todo dia um para o outro
sincera correspondência
28
– Porque nosso amor precisa
nutrir as suas raizes
no coração um do outro
para vivermos felizes;
eis ai o meu destino
vê agora o que me dizes
29
Armando lhe respondeu:
pois deixo de ir-ma embora
porque o meu coração
te consagro nesta hora
e para que me acredite
eu vou te jurar agora
30
– Eu juro a Deus que jamais
te deixarei esquecer
um só instante em meu peito
e juro também sofrer
por ti qualquer desventura
que alguém queira trazer
31
– Juro mais que te pertencem
minh’alma, meu coração
e juro também por ti
desconhecer a razão
porque para defender-te
me sujeitarei a prisão
32
Rosa disse: em também juro
por ti ser forte e ativa
e o meu amor durar sempre
como esta pedra nativa
se eu não casar contigo
juro a Deus não ficar viva
33
– E se meu pai não quizer-te
como genro, inda te digo
daqui do pé desta pedra
juro a Deus fugir contigo
juro mais que meu amor
não obedece castigo
34
Nisto bateu a sineta
da escola, convidando
a entrada dos alunos
pois todos iam chegando
Rosa ai marchou com pressa
de parelha com Armando
35
Então depois desse dia
Armando quando passava
na pedra para a escola
uma carta encontrava
e Rosa encontrava outra
à tarde quando voltava
36
Quando Rosa ficou moça
se tornou inda mais bela
e Armando também rapaz
consultou então com ela
o que devia fazer
para pedi-la ao pai dela
37
Então Tiago Agostinho
não ficou surpreendido
pois que Rosa amava Armando
ele já tinha sabido
logo foi franco em dizer-lhe
que estava feito o pedido
38
Armando voltou contente
Tiago Agostinho então
procurou saber de Rosa
qual a sua opinião
se ela estava de acordo
receber de Armando a mão
39
Rosa lhe disse: meu pai
estou de acordo, sim
porque nasci para Armando
e Armando nasceu para mim
e digo logo ao senhor
que nosso amor não tem fim
40
Tiago disse consigo:
a cousa está enrascada
e se eu for muito ativo
afundarei a jangada!…
então respondeu-lhe rindo:
breve estarás casada
41
Combinou com sua esposa
com muita sagacidade
um jeito para acabar
aquela grande amizade
mas queria fazer isto
sem demonstrar má vontade
42
Mandou convidar Armando
na tarde do mesmo dia
e disse em vista dos dois
que o casamento faria
só com um ano depois
pois era quando podia
43
Logo Armando concordou
Rosa concordou também
Tiago disse consigo:
este acordo me convém
tenho tempo pra lutar
e espero sair-me bem
44
Com 2 meses depois disso
ele falou pra comprar
o sítio de Constantino
para Armando se mudar
se fazendo muito calmo
pra ninguém desconfiar
45
Então o pai de Armando
o Constantino Amaral
concordou vender o sítio
depois com o capital
buscar se estabelecer
com uma loja em Natal
46
Lhe disse Armando: meu pai
se me tiver como amigo
deixe de vender o sítio
pois como homem lhe digo
só sairei desta terra
levando Rosa comigo
47
– Depois do meu casamento
meu pai poderá vender
seu sítio, pois dessa vez
não terei o que dizer
mas agora fará isso
se não quiser me atender
48
Amaral lhe respondeu:
meu filho estás atendido
pois inda com sacrifício
eu te atendia o pedido
quanto mais que nosso sítio
ainda não está vendido
49
Tiago Agostinho vendo
que não podia comprar
o sítio de Constantino
para Armando se ausentar
procurou por outra forma
o casamento acabar
50
Chamou Armando e disse:
Armando, o teu casamento
não quero mais demorá-lo
vamos dar nosso andamento
e pra poupar-te as despesas
um negócio te apresento
51
– Eu tenho uns cortes de panos
arrematados num leilão
e queria que tu fosses
vende-los lá no sertão
com o lucro tu farás
toda tua arrumação
52
Armando logo aceitou
o negócio esclarecido
dizendo então que ficava
a Tiago agradecido
e com três dias partiu
de fazenda bem sortido
53
Tiago tinha dois filhos
sendo casado o primeiro
residiam em Mamanguape
então o filho solteiro
numa loja do irmão
servia como caixeiro
54
Assim que Armando partiu
Tiago Agostinho então
escreveu para seus filhos
com a maior precaução
dizendo que um viesse
executar a traição
55
Com quatro dias, a noite
chegou o filho solteiro
pronto para executar
o plano de traiçoeiro
Tiago antes da carta
interrogou-o primeiro
56
Pois perguntou ao filho:
o que tu andas fazendo
estas horas por aqui?
parece que vens correndo?
disse o filho: é sua nora
que deixei quase morrendo
57
– Meu irmão foi quem mandou
eu vir lhe participar
o estado da mulher,
para o senhor lhe mandar
a nossa irmã Rosinha
pra da cunhada tratar
58
– Com uma grande agonia
ontem quase ela tem fim
disse o doutor: ela morre
se chegar ter outra assim;
e meu irmão não confia
seu trato a gente ruim
59
– Então fretei uma barca
por desmedido valor
a qual se acha no porto
esperando quando eu for
e quero levar Rosinha
veja o que diz o senhor
60
Tiago lhe respondeu:
em mando que Rosa vá
e fico com muita pena
de não ir com vocês, já
porém depois de amanhã
talvez eu chegue por lá
61
– Mas mando logo uma carta
por vocês neste momento
onde meu filho verá
que fico em grande tormento
por saber que minha nora
está nesse sofrimento
62
Quando a carta estava feita
Rosa estava preparada
e acompanhada do mano
partiu em marcha apressada
pretendendo tomar a barca
As quatro da madrugada
63
Assim que os dois embarcaram
o remador que sabia
remou para Mamanguape
com prazer e alegria
aonde chegaram em paz
na manhã do outro dia
64
Quando no ponto saltaram
Rosa com o irmão dela
encontraram dois cavalos
um pro mano e outro pra ela
e um para o bagageiro
com cangalha e não com sela
65
O irmão montando Rosa
ela disse: eu entendia
que do porto a Mamanguape
meia légua não seria!
Lhe disse o irmão: é longe…
e montou sem mais profia
66
A cavalo em Mamanguape
chegaram ligeiramente
disse o irmão para Rosa:
isso aqui é S. Vivente
o bagageiro afirmou
e logo tomou a frente
67
Da cidade de Mamanguape
Rosa nada conhecia
e por isso acreditou
no que o irmão lhe dizia
e açoitando o cavalo
caminhou com alegria
68
As dez horas se serviram
de doce com queijo e vinho
e ao por do sol, o irmão
à Rosa disse baixinho:
Rosa, alviçaras, chegamos
na casa de teu padrinho!
69
Rosa bastante espantada
lhe respondeu: é mentira
meu padrinho aqui não mora
e se mora me admira
eu ter vindo a Mamanguape
e me achar em Guarabira
70
Mas logo no mesmo instante
ouviu a voz do padrinho
que dizia duma porta:
viva! chegou meu sobrinho
trazendo minha afilhada
pra sossego de Agostinho!
71
Vou deixar Rosa um instante
e dizer primeiramente
quem era o padrinho dela
e porque ficou contente
para ninguém não dizer
que não ficou bem ciente
72
Esse padrinho de Rosa
era irmão do pai dela
seu nome, Pedro Agostinho
sua esposa Florisbela
e foi um dos mais antigos
que Guarabira viu nela
73
Então Tiago Agostinho
combinou com seu irmão
botar Rosa em sua casa
por meio duma traição
e para poder fazer
mandou Armando ao sertão
74
Rosa que não conhecia
de Guarabira o caminho
deixou-se ir inocente
para a casa do padrinho
onde lhe veio a lembrança
dum ardil mais que mesquinho
75
Por isso quando ela entrou
na casa disse ao irmão
que lhe quisesse explicar
daquilo tudo a razão
pois lhe estava parecendo
um golpe de traição
76
Lhe disse o irmão: Rosinha
vou te dizer a verdade
é pra tu deixares aqui
de Armando aquela amizade
pois meu pai só deu-lhe o sim
temendo uma falsidade
77
– Para que tu não fugisse
meu pai deu a ele o sim
porque se assim não fizesse
a coisa estava ruim
pois uma amizade grande
é bem custoso ter fim
78
– Por isso ele ordenou-me
eu te trazer inocente
para aqui, porque aqui
jamais encontrarás gente
por quem tu possas mandar
fazer a Armando ciente
79
Logo Rosa respondeu-lhe:
porém meu pai bem podia
quando Armando me pediu
dizer-lhe que não queria
porque um homem de bem
odeia a hipocrisia
80
– Se eu soubesse que meu pai
era assim tão fementido
jamais deixaria Armando
ter minha mão lhe pedido
visto que aeu não era digna
de te-lo como marido
81
– Para mim comete um crime
a filha dum traiçoeiro
que quer se fazer esposa
dum honrado cavalheiro
pois a honra é luz nas trevas
a traição não tem luzeiro!
82
– Portanto, eu não deveria
encher de amor um senhor
filho de um pai honrado
sendo o meu um traidor
terei remorso por isto
vergonha, susto e temor
83
– Ma se ainda ver Armando
juro dizer-lhe a verdade
que não serei dele esposa
devido esta falsidade
mas serei dele cativa
se ele tiver-me amizade
84
Agora encerro este assunto
porque preciso dizer
o que foi que o pai de Rosa
procurou logo fazer
na hora que ela saiu
antes do dia romper
85
Assim que Rosa saiu
o pai pegou um vestido
dos que ela em casa deixou
e fê-lo em sangue embebido
dum cabrito que sangrou
lá num recanto escondido
86
Fazendo o vestido em tiras
desceu um despenhadeiro
até chegar num riacho
aonde havia um banheiro
então semeou as tiras
ao poente do ribeiro
87
E com o resto do sangue
do cabrito que sangrou
ele encostado ao banheiro
a maior porção jogou
depois perto e mais longe
outras porções derramou
88
As seis horas da manhã
ele muito disfarçado
fez uma grande balburdia
gritando desesperado
dizendo ao povo que Rosa
um tigre havia pegado
89
Logo todos os vizinhos
acudiram com presteza
seguindo em busca do tigre
com desmedida afoiteza
porque a morte de Rosa
os sinais davam certeza
90
Com bons cachorros de caça
os homens da vizinhança
a mata o dia passaram
com sede de uma vingança
e não encontrando indício
voltaram sem esperança
91
Tiago Agostinho tinha
um negro de confiança
no mesmo dia de tarde
chegou-lhe à sua lembrança
de mandar o dito negro
enganar a vizinhança
92
No outro dia de tarde
o negro saiu dizendo:
que tinha andado na mata
e num lugar mais tremendo
encontrou o corpo de Rosa
porém num estado horrendo
93
Então Tiago Agostinho
com as mãos cobrindo a face
em presença dos vizinhos
disse ao negro que voltasse
ao lugar que estava o corpo
e lá mesmo sepultasse
94
Uma sepultura falsa
naquela mata esquisita
e negro formou sozinho
com precaução inaudita
e no dia imediato
houve ali grande visita
95
Logo Tiago e a esposa
vestiram luto fechado
e se espalhou a sinistra
notícia, pra todo lado
até que Armando sabendo
voltou bastante vexado
96
Quando chegou foi à cova
em visita fazer
na cova deu-lhe um desmaio
que andou perto de morrer
passou depois oito dias
sem quase nada comer
97
Com um mês não parecia
coitado, ser ele Armando
pois não comia e passava
noites inteiras vagando
nas estradas sem destino
tristonhamente chorando
98
E na pedra onde Rosa
amor lhe havia jurado
uma noite muito tarde
ele na pedra ajoelhado
derramou mais duma hora
o seu pranto amargurado
99
Depois de ter pranteado
tristonho balbuciou
dizendo: neste lugar
foi que Rosa a mim jurou
seu amor, uma manhã
mas coitada, se acabou!
100
– Portanto, o dever me ordena
ir naquela mata escura
e tirar os ossos dela
de dentro da sepultura
e em cima deles matar-me
para cumprir minha jura
101
Armando ai como um louco
para a mata caminhou
chegando na cova de Rosa
a terra fora jogou
e ficou mais que surpreso
já quando nada encontrou
102
Sem chorar refez a cova
consigo mesmo a dizer:
aqui existe um mistério
e se Deus me favorecer
haverei de desvendá-lo
pois é este o meu dever
103
Noutro dia disse ao pai:
meu pai me faça um pedido
de vender seu sítio agora
pois eu estou resolvido
ir morar no Piaui
visto Rosa ter morrido
104
Amaral foi a Tiago
vendeu o sítio e saiu
e Armando de Tiago
tristonho se despediu
figindo chorar por Rosa
Tiago oculto sorriu
105
Armando no Piaui
disse ao pai: meu pai, agora
vou dizer-lhe um segredo
que o senhor ignora
olhe, Rosa não morreu
o certo qu’ela está fora
106
– O pai em minha ausência
preparou uma cilada
pois cavei a cova dela
dentro não encontrei nada
Amaral sabendo disso
teve uma raiva danada
107
Porém Armando lhe disse:
meu pai, não tenha vexame
pois Rosa aonde estiver
talvez ainda me ame
portanto, o senhor escreva
uma carta àquele infame
108
– Essa carta irá tarjada
lhe dizendo que morri
com um mês e oito dias
que cheguei no Piauí
e ele acreditará
sem mandar ninguém aqui
109
Como de fato, Amaral
para Tiago escreveu
uma carta onde mostrava
ser sincero amigo seu
narrando a morte de Armando
como melhor entendeu
110
Oito meses já faziam
que Rosa tinha saido
e que Aramando se mudara
ela não tinha sabido
como também da cilada
da onça haver lhe comido
111
Coitada, da terra dela
ela não via um vivente
embora que seu padrinho
já estava bem ciente
de tudo que se passou
só ela estava inocente
112
Rosa então se comparava
a uma prisioneira
procurava ninguém vê-la
e chorava a vida inteira
numa sombra projetada
por uma guabirabeira
113
Chorando dizia ela:
oh! meu Deus, oh! pai clemente
trazei conforto e consolo
a uma pobre inocente
que sem fazer mal a ninguém
vive a sofrer cruelmente!
114
– Consenti Senhor, que 1 anjo
produza um sonho a Armando
que me veja assim tão triste
constantemente chorando
pra ele ficar sabendo
que vivo nele pensando
115
Tiago tendo a certeza
que Armando tinha morrido
sorrindo disse à mulher:
fui muito bem sucedido
pois ganhei numa empresa
que me julgava perdido
116
Foi a todos os vizinhos
lhe dizendo a falsidade
que tinha feito com Rosa
devido aquela amizade
pois sabia que Aramando
morria na flor da idade
117
Logo mandou buscar Rosa
que com seis dias chegou
então foi quando ela soube
de tudo que se passou
depois da morte de Armando
a carta o pai lhe entregou
118
Rosa quando viu a carta
pôs-se a chorar sua sorte
ela quando leu a carta
deu-lhe um desmaio tão forte
que passou quase uma hora
sob o domínio da morte
119
Mas depois que melhorou
disse ao pai bastante irada:
meu pai, a morte de Armando
fez-me uma desgraçada
porém juro que não tarda
eu também ser sepultada
120
– O Senhor foi o culpado
desta desgraça fatal
com mentiras criminosas
fez Constantino Amaral
vender seu sítio e sair
fazendo a Armando esse mal!
121
– Mas juro, enquanto for viva
viver coberta de luto
pois a lembrança de Armando
tem no meu peito um reduto
juro não partir com outro
meu amor absoluto!
122
Rosa depois desse dia
tomada pelo desgosto
uma mortal palidez
apareceu no seu rosto
e de Santa Madalena
fez-se o modelo composto
123
Vendo os seus pais o desgosto
começaram a ter receios
então para distraí-la
empregavam muitos meios
até mesmo ordenando
que ela fizesse passeios
124
Mas Rosa não pesseava
se comprazia em chorar
vivendo sempre num quarto
sem querer se alimentar
a bem da alma de Armando
levava a vida a rezar
125
Armando no Piauí
sonhou chegar-lhe um rapaz
que tinha a vestes douradas
cabelos louros pra traz
e para fitar-lhe o rosto
ninguém seria capaz
126
Armando lhe perguntava
quem és tu? Donde vieste?
o rapaz lhe disse: eu sou
um mensageiro celeste
mas venho daquela pedra
onde uma jura fizeste
127
– Como eu fui testemunha
daquela grande amizade
que juraste a uma jovem
como doze anos de idade
venho então da parte dela
te dizer uma verdade
128
– Essa moça por ti vive
constantemente a chorar
e és tu que deverás
o pranto dela exugar
se não um dia o seu pranto
virá também te molhar
129
Armando nisso acordou
aflito e muito suado
parecendo ainda ouvir
uma voz dizendo ao lado
é necessário que cumpras
o que por ti foi jurado!
130
Armando disse chorando:
que coisa misteriosa!
pois bem, embora eu caia
numa falta criminosa
farei Tiago dizer
onde foi que botou Rosa
131
E sem demora embarcou
pro Rio Grande do Norte
destinado a encontrar Rosa
e toma-la por consorte
disposto a morrer lutando
a favor de sua sorte
132
Trouxe consigo um caboclo
homem sério e destemindo
então contou-lhe na viagem
o que tinha acontecido
e o amor dele por Rosa
de quando havia nascido
133
Tiago buscou fazer
na noite de S. João
um briquedo em sua casa
com grande reunião
para ver se Rosa achava
naquilo uma distração
134
Saltou Armando em Natal
nessa noite de S. João
e sobre a vida de Rosa
teve exata informação
então projetou fazer
a Tiago uma traição
135
Às onze horas da noite
quando Tiago Agostinho
servia seus convidados
algumas taças de vinho
viram dois vultos passar
ao poente do caminho
136
Não precisa que eu diga
que um vulto era Armando
e o outro era o caboclo
que vinha lhe acompanhando
e para se disfarçarem
caminhavam conversando
137
Armando logo avistou
sua amante idolatrada
muito magra e diferente
sem companheira, sentada
num banco em frente a fogueira
de luto desconsolada
138
Vendo Armando o seu estado
tão tristonha a meditar
sentiu tanta comoção
que começou a chorar
quis parar, mas o caboclo
mandou ele caminhar
139
Armando exugou os olhos
lhe veio então a lembrança
ir na pedra onde Rosa
ainda muito em criança
jurou de fugir com ele
com uma voz firme e mansa
140
Chegando Armando na pedra
depois de bem refletir
ensinou ao caboclo
como ele podia ir
levar um recado a Rosa
sem ninguém lá pressentir
141
O caboclo disse a ele:
pode ficar descansado
que eu já estudei um plano
para lhe dar o recado
e tenho toda certeza
que vai dar bom resultado
142
E sem demora seguiu
e logo chegou contente
no terreiro de Tiago
chamando o povo parente
se aproximou de Rosa
e lhe pediu aguardente
143
Quando bebeu aguardente
se aproximou da fogueira
dizendo então que cantava
cantigas de capoeira
o povo então fez com ele
animada brincadeira
144
Por fim o povo pediu
para o caboclo cantar
o caboclo bebeu mais
e depois de se sentar
com esta estrofe seguinte
entendeu de começar
145
– Eu venho de muito longe
do pé duma grande serra
acompanhado de alguém
mas não venho fazer guerra
vim dizer a Melancia
Coco-Verde está na terra
146
Rosa ouvindo essa conversa
teve um susto de tremer
e conheceu que o caboclo
procurava lhe dizer
um segredo que só ela
era capaz de saber
147
O caboclo conhecendo
que Rosa tinha ficado
como que sobre-saltada
olhando para o seu lado
resolveu a se calar
para ver o resultado
148
Mas logo Rosa lhe disse:
seu peito não é ruim
portanto cante de novo
faça esse pedido a mim
o caboclo fitou ela
e seguiu dizendo assim:
149
– Eu não tenho o que cantar
e outra que estou vexado
pois cheguei agora mesmo
inda não estou descansado
só vim dar de Coco-Verde
a Melancia um recado
150
– Se não fosse grande amigo
de alguém que ficou chorando
não me atrevia trazer
o recado que estou dando
Melancia, Coco-Verde
está na pedra esperando
151
Rosa fitando o caboclo
levantou-se sem demora
dizendo que ia dormir
o quarto fechou por fora
e para o lado da pedra
caminhou na mesma hora
152
Chegando perto da pedra
avistou um vulto junto
disse Rosa ao vulto:
responde o que te pergunto
se és anjo ou fantasma
se és vivo ou defunto?
153
O vulto lhe respondeu:
não tenha medo, querida
que sou Armando Amaral
a quem julgavas sem vida
venho plantar em teu peito
uma esperança perdida
154
Gritou Rosa: meu Armando
me escuta por caridade
eu te tinha como morto
meu Deus, que felicidade!
Jesus teve dó de mim
e descobriu-me a verdade
155
Logo Armando abraçou-a
louco de amor e chorando
Rosa sem poder falar
deu-lhe um beijo soluçando
quando viram o caboclo
vinha apressado chegando
156
Dando o braço Armando a Rosa
lhe disse: vamos querida
confia no meu critério
pois tu és a minha vida
Rosa só fez responder-lhe:
por Deus fui favorecida
157
Na mesma noite em Natal
saltaram em uma casa
sob a proteção dum vento
soprando de popa à proa
até chegarem em Macau
fizeram viagem boa
158
Saltando Armando em Macau
deu ligeiro andamento
a se esposar com Rosa
cumprindo seu juramento
e o padre da freguezia
celebrou o casamento
159
E escreveu a Tiago
uma carta que dizia:
“senhor Tiago Agostinho
me desculpe a ousadia
de eu carregar sua filha
para minha companhia”
160
“Eu sou Armando Amaral
a quem o senhor julgava
estar morto para sempre
como a carta lhe afirmava
aquilo foi para eu ver
se Rosa ressuscitava
161
Abrindo a cova da mata
descobri sua traição
porém gurdei o segredo
até nesta ocasião
porque já tenho a certeza
que não perdi a questão”
162
Vinte dias já faziam
que Rosa tinha saido
então ninguém não sabia
pra onde ela tinha ido
pelo qual já se julgava
que ela tinha morrido
163
Em busca dela Tiago
andava constantemente
mas para dar-lhe notícia
não encontrava um vivente
quando recebeu a carta
ficou de tudo ciente

Tiago muito zangado
pensando disse consigo:
é muito exato o adágio
usado no tempo antigo
“o amor quando é sincero
zomba do seu inimigo”

Então a felicidade
veio em socorro de Armando
enricou sem proteção
só com Rosa lhe ajudando
e Tiago arrependido
lhe pediu perdão chorando

Viveu Armando com Rosa
na mais perfeita harmonia
brincando Armando chamava
a ela de Melancia
e ela a ele Coco-Verde
mais a amizade crescia!

Já demonstrei nesta história
O amor o quanto é:
Só o amante sem fé
Esmorece sem vitória!
Conservem pois na memória
A opinião de Armando:
Mostrou seu amor lutando
E conseguiu triunfar
Luto só fez assombrar
O namorado nefando!

Ivaldo Fernandes

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